Desde o primeiro instante — sim, logo ali na conceção — até ao final da adolescência, o cérebro da criança vive uma maratona de crescimento e transformação. É um período sensível, quase mágico, em que cada nutriente conta. Aqui, a comida não é só combustível… é engenheira de neurónios.
O cérebro em obra: Fases críticas de construção
Durante o desenvolvimento, o cérebro passa por momentos de grande vulnerabilidade e plasticidade. São as chamadas “janelas críticas”, ou seja, períodos em que tudo o que entra (ou falta) pode deixar marca. Um erro nutricional continuo nesta fase, pode ter efeitos para a vida inteira. Irreversíveis, até.
E há um período ainda mais decisivo: os primeiros 1000 dias — da conceção aos 2 anos de idade. A fundação do que seremos começa aí. Literalmente.
Nutrientes que constroem e protegem o cérebro:
Ómega-3 (DHA/EPA)
Tijolos de primeira qualidade para as membranas dos neurónios. O DHA acumula-se no cérebro em crescimento, alimentando a criação de sinapses, mielina e adaptabilidade cerebral. O EPA? Brilha na regulação emocional e na luta contra a neuroinflamação. Exemplos: Salmão, sardinha, cavala, óleo de fígado de bacalhau, sementes de linhaça e chia (DHA vegetal), nozes.
Ferro
Fundamental na formação de neurónios e da mielina. Mesmo sem sinais óbvios de anemia, a sua falta pode prejudicar o comportamento e o desenvolvimento mental da criança. Exemplos: Carne vermelha magra, fígado, leguminosas (feijão, lentilhas), espinafre, gema de ovo.
Dica: combinar com vitamina C (como laranja ou kiwi) ajuda a absorver melhor o ferro vegetal.
Iodo
Dá o ritmo ao desenvolvimento cerebral através da hormona tiroideia. Quando falta? Os danos cognitivos podem ser severos. como no caso do cretinismo. Exemplos: Sal iodado, peixe do mar, mariscos, algas marinhas, ovos e laticínios.
Zinco
Um elemento discreto mas essencial, participa em reações enzimáticas fundamentais no cérebro que está a nascer e a crescer. Exemplos: Carne bovina, frango, castanhas de caju, sementes de abóbora, grão-de-bico, aveia.
Vitamina B12
Essencial para a mielina e a função neuronal. A sua deficiência pode causar estragos irreversíveis.
Exemplos: Carnes, fígado, ovos, leite e derivados, bebidas vegetais fortificadas.
Colina
Precursor de acetilcolina, um neurotransmissor chave. Também ajuda a formar as membranas celulares, ou seja, está em todo o lado. Exemplos: Gema de ovo (um dos alimentos mais ricos), fígado, soja, frango, couve-flor.
Vitamina E
Antioxidante poderosa. Protege o cérebro do stress oxidativo e preserva a integridade do DHA nas membranas neuronais. Exemplos: Sementes de girassol, amêndoas, abacate, azeite extra virgem, espinafre.
Fitoquímicos e polifenóis
Vêm das plantas e são puro ouro. Têm ação antioxidante e anti-inflamatória, promovem a plasticidade cerebral e ajudam na criação de novos neurónios. Exemplos: Frutas vermelhas (mirtilos, morangos), uvas roxas, chá verde, cacau puro, açafrão-da-terra (curcuma), vegetais coloridos.
O padrão alimentar conta (e muito)
Uma alimentação baseada em comida real — fresca, variada, minimamente processada — dá ao cérebro o que ele precisa para crescer forte e funcional.
Já as dietas ricas em ultraprocessados? Um verdadeiro campo minado. Promovem inflamação, stress oxidativo, desequilibram áreas críticas do cérebro como o hipocampo… e ainda por cima, estão carregadas de açúcar. O resultado? Dificuldades cognitivas e de memória, logo desde cedo.
Quando o intestino também pensa
Surpresa? O intestino e o cérebro vivem ligados. O microbioma intestinal — uma comunidade de microrganismos que vive no nosso trato digestivo — influencia diretamente a saúde cerebral. E quem alimenta este exército invisível? A dieta, claro. As fibras são o combustível preferido dessa comunidade, enquanto os alimentos fermentados, ajudam a reforçá-la. Um microbioma equilibrado significa menos inflamação, mais neurotransmissores e um cérebro mais saudável.
Se o microbioma está desequilibrado, podem surgir mais inflamações, menor produção de neurotransmissores e até alterações no comportamento. A ligação intestino-cérebro é real, e mais forte do que se pensava.
Como alimentar esse exército invisível?
- Alimentos fermentados (iogurte natural, kefir, chucrute)
- Fibras (frutas, legumes, grãos integrais, aveia)
- Evitar açúcar e aditivos artificiais
As pegadas da nutrição na vida adulta
Nem sempre se vê logo. Mas as deficiências nutricionais na infância moldam o futuro, tanto escolar, como emocional e até profissional. E não falamos só de desnutrição extrema: até carências ligeiras podem redirecionar o curso do desenvolvimento cerebral.
Crescer com alimentação insuficiente pode levar ao nanismo (stunting), e com ele, perdas cognitivas muitas vezes irreparáveis. Mais ainda: o que comemos em pequenos pode influenciar a saúde cerebral décadas depois — aumentando (ou reduzindo) o risco de doenças como o Alzheimer.
—
Resumindo… alimentar bem uma criança é mais do que garantir que cresce, é investir no seu potencial, inteligência e saúde futura. É apostar numa vida inteira de bem-estar, começando à mesa.